domingo, setembro 16, 2007

Dirty dancing



Medo. É a melhor palavra para descrever a sensação. Não tem nada a ver com terror, é só um medo mesmo, um frio na barriga e uma vontade tremenda de sair correndo, ao mesmo tempo que congela, não deixa dar um passo para nenhum lugar, só ficar ali.


A compania já gera um certo desconforto, uma sensação estranha no peito, um aperto que mal deixa respirar, surge exatamente abaixo da boca do estômago e sobe (sempre sobe) até a metade do externo, as vezes parece uma pulsação, e nem chega ao meio do peito, fica na boca do estômago mesmo. Mas passa, logo a gente se acostuma e passa.


O medo vem de verdade com o toque. A reação é violenta, irradia do lugar do contato para todo corpo em miléssimos de segundo. No ponto sente-se uma certa dormência, um relaxamento involuntário, mas no resto do corpo... o abdomem contrai, espelindo o pouco ar que estava entrando, a falta de ar faz com que as mãos fiquem geladas e a musculatura das pernas totalmente descontraida. Um pulso elétrico percorre todo o corpo, sobe pelo braço, passa pela nuca, faz a volta pelo pescoço, desce pelo peito, brinca com o umbigo, deixa uma moleza nas coxas e vai até o pé, a concentração no dedão é fantástica! Volta pelo calcanhar, sobe pela parte detrás das pernas, dá um aperto nas genitais, deixando um formigamento incrível. Vai pelas costas arranhando tudo, chega na nuca e faz todo percurso de novo e nem passou um segundo.


O beijo é muito pior, os pulsos elétricos são agora em várias direções, nem dá pra saber direito por onde estão passando, provocam uma palpitação no coração, agita todo sangue, que circula numa velocidade tão alta que a fricção com as veias aquece todo corpo, as mãos geladas dão lugar a mãos suadas, ainda frias, mas úmidas.


Um leve toque com a língua na orelha agora é avassalador, quanto mais sutil maior o efeito, a dormência dá lugar a um tremor, tudo treme, o terremoto é fruto da avalanche de pulsos elétricos em todas as direções, que andam desordenadamente, a respiração cadencia, se torna curta e forte, só mudando nos momentos que não dá mais pra aguentar. Nesse momento é a força que interessa, o toque sutil deve dar lugar a algo mais intenso, a sensação passiva dá lugar a uma necessidade ativa de sentir até os ossos, a ponta dos dedos e a boca ficam doidos, cravar as unhas é apenas um jeito de sentir mais, morder uma maneira de precionar a boca o máximo. Este momento, onde nada mais interessa, quando o resto do mundo se apaga, parecendo que fomos tranferidos pro meio do espaço, não se ouve, não se vê nada, não se cheira nada, é só tato...este momento é o que eu gosto de ver tu sentido.

sexta-feira, julho 20, 2007

Três lados


A água gelada batendo no couro cabeludo e escorrendo pelas costas causa o espasmo habitual, quase um soluço, o deixando sem ar por uns instantes. Ao mesmo tempo alivia o calor úmido e pesado de Porto Alegre e ajuda a tirar os últimos efeitos de um misto de ressaca com sono, frutos de uma noite má dormida com muitos canecos de chopp em plena segunda-feira. Beber numa segunda-feira, onde é que eu tava com a cabeça?! Tá certo que tava calor, mas…pô, segunda!

Se lembrar da cabeça faz com que ela fique mais pesada e o movimento de abaixar pra pegar o shampoo fica bem mais dolorido. Pensa em Joana, indo embora apressada, ainda um pouco desnorteada pela bebida, ela precisava ir para casa rápido, os pais não podiam saber que ela tinha passado a noite com ele, dormido com ele. É uma criança, o quê?, uns dez anos mais nova?, não, deve ser oito, grande diferença! Foi como uma incêndio, uma explosão, ao primeiro toque já dava pra sentir a pulsação na pele, o primeiro beijo foi o estopim, BUMM! Dai pra frente não se sabia mais quem era quem, braços se agarraram, pernas se entrelaçaram e as bocas ávidas pelo contato mais profundo possível, mesmo com o gosto de sangue do outro. A bebida ajuda (ajuda?!), desinibição total, querer era fazer, de saia então, melhor! Não demorou muito pra calcinha de quadrinhos sair de cena, pêlos ralos, bem aparados….e que textura, lisinha, irresistível!

Tesão a mil, ela crava as unhas nas costas dele e vai puxando, arqueando o corpo, até senti-lo todo dentro dela…só pararam quando os dois estavam exaustos e suados. Foi tão intenso que ele só queria ficar ali, sentir a pele, prolongar o momento o quanto desse. Tiveram uma conversa aberta, agradável e sincera, talvez a mais aberta que ele já teve. Ela tem que ir…mas…, pegaram no sono, despertaram meio que de susto, se despediram rapidamente, desceram, ele chamou um táxi e ela foi pra casa. No caminho de volta ao apartamento não pode conter um sorriso no rosto, acompanhado de um frio estranho na barriga.

Duas horas de sono, só um banho gelado pra melhorar. Já devo estar a meia hora embaixo d'água, tenho que parar de pensar bobagens e sair…putz, foi bom, mas não tá certo, sabia que ia dar nisso, era inevitável depois de tanto tempo juntos, mas tô sacaneando pô, não sou uma boa pessoa pra ela (pra alguém?!)…ai merda.

Na saída do banho se lembra que esqueceu a toalha, o rastro de pegadas molhadas pela casa é usual. O trabalho foi penoso, tentar filtrar todo aquele álcool que ainda estava no sangue não foi nada fácil. A imagem de Joana deitada na cama, olhos fechados, quase dormindo, era um fator a mais para tornar o dia menos produtivo.


Depois do trabalho ele ligou pra ela:
- Oi...
- E ae?
- E ae? Como tu tá?
- Cara, que ressaca, minha cabeça dói muito, sem falar que tô desmemoriada...
- Como assim??
- Ah, só lembro das coisas em flashes.

Ele ponderou um momento sobre como deveria responder.

- Tá, mas tu lembra que...
- Sim, não, mais ou menos. É que foi muito doido aquilo, hahaha, sei lá.


O papo seguiu numa naturalidade surpreendente, conversaram por horas. Caralho, achei que ia ficar maior climão, mas ela tá na boa...que tri.

No dia anterior haviam se encontrado com um grupo de amigos, a promessa de não beber por um mês que ele havia feito uns dias atrás durou tanto quanto o primeiro copo de cerveja. O bar fechou bem antes da vontade de beber terminar, a deles, os amigos já tinham ido há horas, rumaram pra casa dele com algumas long neck's compradas no caminho.


Quase ficaram pelo elevador mesmo, lugares inusitados são interessantes disse ela, aos tropeços entram em casa, provavelmente despertando a atenção dos vizinhos, discrição não estava em alta. A vontade era ficar explorando o corpo dela por horas, mas o desejo era mais urgente, então ela o puxa pra dentro, iniciando um delicioso rebolado, o paraíso era debaixo do vai-vem de cadeiras, ela parece tão linda quando morde o travesseiro, perdendo controle que ele perde também. Ficam um pouco em adoração silenciosa, aproveitando as endorfinas do amor. Num momento de sobriedade conversam um pouco, ao mesmo tempo que ele começa uma lenta exploração do corpo dela, primeiro com a ponta dos dedos, acaricia o rosto, braços, pernas, costas, depois sua língua volta a tocar a pele, provocando arrepios que vão da nuca à coxa, atiçando a vontade, a mordida no pescoço, que arranca um sonoro gemido, foi mera consequência. Raios de sol já tocam a janela quando eles deitam lado a lado, a intenção não era dormir, mas o aconchego um do outro, auxiliado pelo entorpecimento do amor e da bebida, é mais forte.


- Sei que já disse isso antes, mas acho que dessa vez fico um mês sem beber...
- Hahaha, sei! Peraí, vou colocar uma música.
- Tá. Mas é sério, não tá dando nem tempo de me recuperar...e além disso ainda faço bobagem... (♪... ♪)
- Bobagem? (♪... ♪)
- É, tu sabe! (♪... ♪)
- Sei? (♪... ♪)
- Bah, é que tô me sentindo estranho, não queria te sacanear... (♪ Sucker love, a box I choose ♪)
- Me sacanear? (♪ No other box I choose to use ♪)
- É, meio que me aproveitei da situação... (♪ Another love I would abuse ♪)
- Ah, tu quer dizer pelo que aconteceu? (♪ No circumstances could excuse ♪)
- Isso, me aproveitei da nossa amizade... (♪In the shape of things to come ♪)
- Tu nunca teve vontade de provar alguém? Ver como era? (♪Too much poison come undone ♪)
- Sim. (♪ Cuz theres nothing else to do ♪)
- Tá, eu também, e não sou de passar vontade. (♪ Every me and every you ♪)

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

Bom de cama



Jeremias era muito bom de cama, dormia muito, mas muito mesmo e só não dormia mais por falta de tempo. Quando dava dormia 14 horas por dia, quando não dava dormia 12. Aproveitava cada instante para dormir, intervalo do almoço, o caminho de ônibus pra casa, sentado no vaso do banheiro, qualquer ocasião era ocasião.

Só acordava para o essencial, comer. Trabalhar também fazia parte, mas era só uma maneira de manter seu estilo de vida, ou seja, sustentar a comida e o sono.

Sua mulher não reclamava, Jeremias chegava do trabalho, comia, comia (duas ou três vezes) e dormia. Acordava no outro dia de manhã, comia (uma ou duas vezes), comia e ia trabalhar. Fora a pouca companhia que o marido fazia era um marido ideal. Trazia o sustento para casa, a fazia muito feliz na cama.

Chegou a ir no médico, alguma coisa devia estar errada, mas não tava, saúde em ordem, incrivelmente saudável apesar de não se exercitar nada e de ter passado provalmente mais de 17 dos seus 34 anos dormindo. Sua mulher tentou de tudo, café forte, guaraná, umas folhinhas colombianas que uma amiga receitou, nada diminuia o sono do esposo. Não que fosse ruim a convivência com ele, ao contrário, era excelente nos breves instantes que estavam juntos, mas que era assombroso o tempo que ele dormia era.

Houve um tempo em que ela pensou que ele tinha uma amante, por isso andava sempre cansado e com sono, mas tirou essa idéia da cabeça, Jeremias correspondia muito bem ao seus não poucos desejos, de noite e de manhã, até dormindo ele respondia. O sono era tanto que dormiu na sala de espera do hospital na tarde que nasceu seu primeiro filho e na manhã que nasceu o segundo. Mesmo neste momento em que qualquer um ficaria tenso e ansioso, Jeremias tinha o sono dos anjos.

Com a chegada do segundo filho, quando o primeiro ainda tinha um ano de idade deixou a vida da família mais complicada, a vida da esposa é claro, porque Jeremias continuava como sempre. Só que sua esposa não estava aguentando, duas crianças pra cuidar sozinha é muito foda. Partiu para todas as terapias alternativas que encontrou, simpatias, macumba, benzedura, coisas holísticas e com cristais, luzes e o caralho a quatro, sem resultados, até ovo de codorna tentou. Isso até ajudou um pouco, Jeremias conseguia levantar uma ou duas vezes por noite pra olhar os filhos, desde que isso não exigisse mais de 10 minutos.

Um dia no retorno do trabalho seu ônibus foi assaltado, levou um susto tremendo, porque o assaltante não acreditava que com toda aquela agitação alguém pudesse estar dormindo. Com a pancada que levou no lado esquerdo da tempora acabou acordando, entregou tudo que tinha para o assaltante e foi acordado o restante do caminho até em casa. Pela primeira noite em sua vida teve problemas pra dormir, a adrenalina ainda correndo no seu sangue o impedia de ter uma noite tranquila. Tá ai a solução pensou sua esposa, a adrenalina é do que ele precisa pra ficar acordado! Então Jeremias passou a se expor a situações de risco todos os dias. Foi uma maravilha, sono de no máximo 6 horas por dia. Vivia em um dia com a mulher uma convivência que antes levaria uma semana, até choop com amigos ele começou a tomar, não dormia na mesa do bar.

Com o tempo o efeito da adrenalina não era mais o mesmo e Jeremias se arriscava cada vez mais, um certo dia, com muito sono, se distraiu na sua tentativa de obter mais adrenalina e acabou caindo do parapeito de um prédio de 23 andares. Sua esposa não se conformava, depois de tudo que ela fez o sono venceu, Jeremias iria dormir pra sempre.


Mas o que isso tem a ver comigo, o escritor desse diário? Nada! Nem conheço o tal ai de cima, quem me contou a história foi uma amiga, a que receitou as folhas colombianas, nem achei grande coisa, mas resolvi anotar, me contou a história depois de um momento muito intimo, ia ficar chato esquecer.