sexta-feira, julho 20, 2007

Três lados


A água gelada batendo no couro cabeludo e escorrendo pelas costas causa o espasmo habitual, quase um soluço, o deixando sem ar por uns instantes. Ao mesmo tempo alivia o calor úmido e pesado de Porto Alegre e ajuda a tirar os últimos efeitos de um misto de ressaca com sono, frutos de uma noite má dormida com muitos canecos de chopp em plena segunda-feira. Beber numa segunda-feira, onde é que eu tava com a cabeça?! Tá certo que tava calor, mas…pô, segunda!

Se lembrar da cabeça faz com que ela fique mais pesada e o movimento de abaixar pra pegar o shampoo fica bem mais dolorido. Pensa em Joana, indo embora apressada, ainda um pouco desnorteada pela bebida, ela precisava ir para casa rápido, os pais não podiam saber que ela tinha passado a noite com ele, dormido com ele. É uma criança, o quê?, uns dez anos mais nova?, não, deve ser oito, grande diferença! Foi como uma incêndio, uma explosão, ao primeiro toque já dava pra sentir a pulsação na pele, o primeiro beijo foi o estopim, BUMM! Dai pra frente não se sabia mais quem era quem, braços se agarraram, pernas se entrelaçaram e as bocas ávidas pelo contato mais profundo possível, mesmo com o gosto de sangue do outro. A bebida ajuda (ajuda?!), desinibição total, querer era fazer, de saia então, melhor! Não demorou muito pra calcinha de quadrinhos sair de cena, pêlos ralos, bem aparados….e que textura, lisinha, irresistível!

Tesão a mil, ela crava as unhas nas costas dele e vai puxando, arqueando o corpo, até senti-lo todo dentro dela…só pararam quando os dois estavam exaustos e suados. Foi tão intenso que ele só queria ficar ali, sentir a pele, prolongar o momento o quanto desse. Tiveram uma conversa aberta, agradável e sincera, talvez a mais aberta que ele já teve. Ela tem que ir…mas…, pegaram no sono, despertaram meio que de susto, se despediram rapidamente, desceram, ele chamou um táxi e ela foi pra casa. No caminho de volta ao apartamento não pode conter um sorriso no rosto, acompanhado de um frio estranho na barriga.

Duas horas de sono, só um banho gelado pra melhorar. Já devo estar a meia hora embaixo d'água, tenho que parar de pensar bobagens e sair…putz, foi bom, mas não tá certo, sabia que ia dar nisso, era inevitável depois de tanto tempo juntos, mas tô sacaneando pô, não sou uma boa pessoa pra ela (pra alguém?!)…ai merda.

Na saída do banho se lembra que esqueceu a toalha, o rastro de pegadas molhadas pela casa é usual. O trabalho foi penoso, tentar filtrar todo aquele álcool que ainda estava no sangue não foi nada fácil. A imagem de Joana deitada na cama, olhos fechados, quase dormindo, era um fator a mais para tornar o dia menos produtivo.


Depois do trabalho ele ligou pra ela:
- Oi...
- E ae?
- E ae? Como tu tá?
- Cara, que ressaca, minha cabeça dói muito, sem falar que tô desmemoriada...
- Como assim??
- Ah, só lembro das coisas em flashes.

Ele ponderou um momento sobre como deveria responder.

- Tá, mas tu lembra que...
- Sim, não, mais ou menos. É que foi muito doido aquilo, hahaha, sei lá.


O papo seguiu numa naturalidade surpreendente, conversaram por horas. Caralho, achei que ia ficar maior climão, mas ela tá na boa...que tri.

No dia anterior haviam se encontrado com um grupo de amigos, a promessa de não beber por um mês que ele havia feito uns dias atrás durou tanto quanto o primeiro copo de cerveja. O bar fechou bem antes da vontade de beber terminar, a deles, os amigos já tinham ido há horas, rumaram pra casa dele com algumas long neck's compradas no caminho.


Quase ficaram pelo elevador mesmo, lugares inusitados são interessantes disse ela, aos tropeços entram em casa, provavelmente despertando a atenção dos vizinhos, discrição não estava em alta. A vontade era ficar explorando o corpo dela por horas, mas o desejo era mais urgente, então ela o puxa pra dentro, iniciando um delicioso rebolado, o paraíso era debaixo do vai-vem de cadeiras, ela parece tão linda quando morde o travesseiro, perdendo controle que ele perde também. Ficam um pouco em adoração silenciosa, aproveitando as endorfinas do amor. Num momento de sobriedade conversam um pouco, ao mesmo tempo que ele começa uma lenta exploração do corpo dela, primeiro com a ponta dos dedos, acaricia o rosto, braços, pernas, costas, depois sua língua volta a tocar a pele, provocando arrepios que vão da nuca à coxa, atiçando a vontade, a mordida no pescoço, que arranca um sonoro gemido, foi mera consequência. Raios de sol já tocam a janela quando eles deitam lado a lado, a intenção não era dormir, mas o aconchego um do outro, auxiliado pelo entorpecimento do amor e da bebida, é mais forte.


- Sei que já disse isso antes, mas acho que dessa vez fico um mês sem beber...
- Hahaha, sei! Peraí, vou colocar uma música.
- Tá. Mas é sério, não tá dando nem tempo de me recuperar...e além disso ainda faço bobagem... (♪... ♪)
- Bobagem? (♪... ♪)
- É, tu sabe! (♪... ♪)
- Sei? (♪... ♪)
- Bah, é que tô me sentindo estranho, não queria te sacanear... (♪ Sucker love, a box I choose ♪)
- Me sacanear? (♪ No other box I choose to use ♪)
- É, meio que me aproveitei da situação... (♪ Another love I would abuse ♪)
- Ah, tu quer dizer pelo que aconteceu? (♪ No circumstances could excuse ♪)
- Isso, me aproveitei da nossa amizade... (♪In the shape of things to come ♪)
- Tu nunca teve vontade de provar alguém? Ver como era? (♪Too much poison come undone ♪)
- Sim. (♪ Cuz theres nothing else to do ♪)
- Tá, eu também, e não sou de passar vontade. (♪ Every me and every you ♪)

2 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Ler o final do texto sincronizando com a letra da música foi genial! Contextualizou bastante o momento.

Sabe, essa história parece muito com uma que conheço. Histórias acontecem todo o dia. Vai ver que é coincidência...